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Opinião
27 de Dezembro de 2012 às 00:55

A cronologia dos optimistas

Normalmente, os termos "optimismo" e "realismo" são usados para descrever duas perspectivas diferentes sobre a vida. Mas eu acredito que uma avaliação realista da condição humana obriga a uma visão de mundo optimista. Estou particularmente optimista em relação ao potencial da inovação tecnológica para melhorar a vida das pessoas mais pobres do mundo. É por isso que faço o trabalho que faço.

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Mesmo assim, há uma área da tecnologia e do desenvolvimento global em que a realidade tem temperado o meu optimismo: a ideia de que os telemóveis iriam revolucionar a vida das pessoas nos países em desenvolvimento. Há dez anos atrás, muitas pessoas acreditavam que a proliferação de dispositivos móveis em África seria um primeiro passo para o desenvolvimento digital. Isso não aconteceu. O desenvolvimento digital é um processo longo e contínuo, e a mera existência da tecnologia móvel não muda imediatamente a forma como os mais pobres satisfazem as suas necessidades básicas.

Mas agora, depois de anos de investimentos, o desenvolvimento digital está em andamento, devido a uma confluência de factores, incluindo a cobertura de rede crescente, dispositivos mais eficazes, e um catálogo crescente de aplicações. À medida que mais pessoas têm um acesso melhor e mais barato à tecnologia digital, chega-se finalmente a um ponto de inflexão, em que os benefícios da prestação digital de serviços, como o bancário e de cuidados de saúde, supera claramente os custos. As empresas estão, então, dispostas a fazer os investimentos necessários para a construção de novos sistemas, e os clientes estão dispostos a aceitar os custos de transição da adopção de novos comportamentos.

Consideremos o exemplo do M-Pesa, o serviço bancário móvel do Quénia que permite que as pessoas enviem dinheiro através dos seus telemóveis. Primeiro, o M-Pesa teve de investir em muitas lojas "físicas" onde os clientes podem converter o dinheiro que eles ganham em dinheiro digital (e de volta em dinheiro). Esta infra-estrutura do mundo real será necessária até que as economias se tornem completamente aptas para a inexistência de dinheiro "físico", o que vai levar décadas.

Sem essas lojas omnipresentes, o M-Pesa não seria mais conveniente do que as formas tradicionais de fazer circular o dinheiro. Ao mesmo tempo, era impossível convencer as lojas de retalho tradicionais a assinar como "pontos de dinheiro" a menos que houvesse subscritores suficientes do M-Pesa para torná-lo rentável para os seus proprietários.

Este tipo de inicialização foi exactamente o que tive que fazer na Microsoft, nos primeiros anos do computador pessoal. Ninguém queria uma máquina a menos que houvesse software, e ninguém iria criar software a menos que houvesse máquinas. A Microsoft convenceu as empresas, tanto de hardware como de software, a apostar no futuro, mostrando como a nossa plataforma mudaria as regras.

Têm existido muitos programas piloto de pequena escala bem-sucedidos usando telemóveis. Mas exemplos de grande escala, programas auto-sustentáveis movidos pela tecnologia digital, como o M-Pesa, são mais difíceis de encontrar, porque as peças-chave não foram postas em prática para permitir o trabalho necessário para avançar além dos limites das experiências controladas.

Os cuidados de saúde digitais, ou mHealth, é uma área que tem sido lenta a emergir, porque é difícil construir uma grande plataforma e, depois, convencer toda a gente que se trata de um sistema de saúde que vale a pena usar. Se alguns trabalhadores do sector da saúde usam telemóveis para enviar informações para um banco de dados central, mas os outros não reconhecem esse valor, o sistema digital é incompleto – e assim, tão defeituoso com o actual sistema em papel.

O projecto mHealth mais promissor que eu já vi, chamado Motech, centra-se na saúde materna e infantil no Gana. Profissionais de saúde comunitários com telemóveis visitam as aldeias e enviam formulários digitais com informações vitais sobre as mulheres recém-grávidas. Depois, o sistema envia mensagens de saúde para as gestantes, como lembretes semanais sobre cuidados pré-natais. O sistema também envia dados para o Ministério da Saúde, dando aos responsáveis políticos um quadro preciso e detalhado das condições de saúde no país.

Aqueles que trabalham com o HIV, tuberculose, malária, planeamento familiar, nutrição e outras questões de saúde globais podem usar a mesma plataforma, de forma a que todas as partes do sistema de saúde do país possam partilhar informações e responder adequadamente em tempo real. Este é o sonho, mas ele só funciona se os trabalhadores da linha de frente se encarregarem da entrada de dados, os ministérios da saúde agirem sobre ele, e os pacientes usarem as informações recebem nos seus telemóveis.

Eu percebi que as coisas estavam a avançar quando os nossos parceiros da Motech começaram a falar sobre os custos pesados da rede e na simplificação do interface do utilizador. A aplicação estava mesmo a ser utilizada no terreno, e os desafios mais complicados foram surgindo - o que significava que o sistema tinha provado ser valioso o suficiente para as pessoas se lançarem ao trabalho e resolverem os problemas à medida que estes surgiam, em vez de apenas regressar ao sistema antigo. Esta abordagem digital está agora a ser estendida a outras regiões, como o Norte da Índia.

Há dez anos atrás, as pessoas diziam que isto iria acontecer rapidamente. Isso não aconteceu porque as peças simplesmente não estavam lá. Agora, estão a ser colocadas no sítio. Vai levar uma década para desenvolver certas aplicações numa série de locais, mas vamos aprendendo como tempo. No longo prazo, os resultados serão tão revolucionários como se esperava, se não mais. Finalmente, quando as pessoas estiverem realmente capacitadas, vão começar a usar a tecnologia digital para inovar em seu próprio nome, construindo soluções que a comunidade de desenvovimento de software nunca considerou.

Tradução: Rita Faria

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